Justiça manda sites de apostas avisarem sobre uso indevido do Bolsa Família  

Júlia Moura
Escrito por Júlia Moura

A Justiça Federal de São Paulo deu um passo importante para proteger famílias de baixa renda dos riscos causados pelos jogos de aposta online. Uma decisão recente obriga os sites de apostas a avisarem, de forma clara, que o dinheiro de programas sociais como o Bolsa Família e o BPC (Benefício de Prestação Continuada) não deve ser usado para jogar. 

Essa decisão foi assinada no dia 13 de junho pelo juiz Gabriel Hillen Albernaz Andrade e vale para todas as empresas de apostas online, além da União e do , que representa parte do setor. A partir de agora, essas plataformas têm 45 dias para se adaptar. 

A ação foi movida por duas organizações que atuam em defesa das populações mais vulneráveis: a Educafro e o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan. Elas querem evitar que famílias que dependem da ajuda do governo acabem perdendo dinheiro com jogos, muitas vezes sem nem saber o risco que estão correndo. 

“É o básico: proteger quem mais precisa” 

Para Frei David, diretor da Educafro, a decisão mostra como o Estado está demorando para agir em algo que já deveria estar resolvido. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele disse que a omissão do poder público está permitindo que bilhões de reais que deveriam ajudar famílias pobres acabem indo parar nas mãos das empresas de apostas. 

“A decisão mostra que o Estado está atrasado para cumprir um dever básico: proteger quem mais precisa”, disse ele. 

De fato, nos últimos anos o número de pessoas jogando online aumentou muito no Brasil. E não são só jovens ou pessoas com dinheiro sobrando. Muitos beneficiários do Bolsa Família têm usado parte ou até todo o valor que recebem para tentar a sorte em apostas esportivas — e quase sempre perdem. 

Pedido para bloquear apostas de beneficiários 

Além de pedir os avisos obrigatórios nas plataformas e propagandas, as duas entidades também querem que as empresas sejam obrigadas a bloquear o acesso de quem recebe o Bolsa Família ou está no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais). 

A ideia é que, com autorização judicial, os sites recebam os CPFs dos beneficiários do governo e possam barrar o acesso dessas pessoas. Isso ainda precisa de mais discussão, já que envolve dados pessoais e decisões do governo federal. 

Mas Frei David acredita que isso é necessário para evitar que essas famílias sejam enganadas e acabem jogando dinheiro que é essencial para comida, aluguel e remédios. 

“O objetivo não é punir os mais pobres, mas protegê-los de uma armadilha que se disfarça de diversão”, explicou. 

Publicidade agressiva e falta de controle 

Hoje em dia, basta assistir a um jogo de futebol ou abrir as redes sociais para ver anúncios de sites de apostas por todos os lados. As propagandas prometem dinheiro fácil, bônus generosos e mostram uma vida de luxo — o que atrai ainda mais quem está passando por dificuldades financeiras. 

Com tantas promessas, é fácil acreditar que apostar pode ser a saída para melhorar de vida. Mas a realidade é bem diferente. Segundo um levantamento da FGV, cerca de 18% dos apostadores admitem usar dinheiro que deveria ser para necessidades básicas, como comida e contas. 

Falta uma política pública séria 

Desde que o Brasil aprovou a regulamentação das apostas esportivas, em 2023, o setor cresceu muito rápido. Mas ainda faltam regras claras para proteger os jogadores. 

O governo criou algumas exigências para as empresas que querem operar no país, como medidas contra o vício em jogos e proteção para menores de idade. Porém, até agora, não existe uma política pública eficaz para garantir que o dinheiro dos programas sociais não seja usado em apostas. 

A decisão da Justiça de São Paulo pode ser um primeiro passo para mudar isso. Mas, para que as coisas realmente melhorem, é preciso que o governo, as empresas e a sociedade trabalhem juntos. A diversão não pode se transformar em desespero. 

Com o prazo de 45 dias, os sites de apostas vão precisar se adaptar rapidamente para colocar os avisos exigidos. Se a proposta de bloqueio de beneficiários do Bolsa Família for aprovada, as plataformas também terão que investir em ferramentas para identificar e impedir o acesso de quem depende desses programas sociais. 

O recado é claro: apostar não pode ser uma alternativa para quem está tentando sobreviver. A ajuda do governo deve servir para garantir o básico — não para alimentar a ilusão de ficar rico com um clique. Jogue, mas jogue com responsabilidade e visando apenas a diversão.