Atendendo ao chamado da África do Sul sobre o jogo problemático

Mercy Mutiria
Escrito por Mercy Mutiria
Traduzido por Thawanny de Carvalho Rodrigues

A África do Sul enfrenta um problema crescente relacionado aos danos causados pelo jogo. De acordo com uma pesquisa recente realizada pela InfoQuest, 63% dos jogadores utilizam dinheiro que deveria ser destinado a necessidades básicas, como alimentação, aluguel ou poupança, e metade inclui o jogo como uma despesa fixa no orçamento. No entanto, “apenas 12% já buscaram ajuda. Apenas 7% estão atualmente procurando apoio. Outros 10% pensaram em pedir ajuda, mas ainda não tomaram nenhuma iniciativa. Isso deixa 67% — uma esmagadora maioria — que nunca sequer considerou buscar auxílio.” O peso financeiro e uma cultura de silêncio têm feito com que muitos enfrentem essa luta sozinhos — até agora.

Ubuntu na prática: um apoio virtual que salva vidas

Em resposta a esse cenário, a Fundação Sul-Africana para o Jogo Responsável (SARGF, na sigla em inglês) lançou uma iniciativa transformadora por meio do . Inspirado na filosofia africana do Ubuntu — “eu sou porque nós somos” — esse grupo de apoio online já auxiliou mais de 400 pessoas apenas no seu primeiro ano de funcionamento. A proposta rompe com a narrativa de uma luta solitária, promovendo uma recuperação coletiva, derrubando as barreiras da vergonha e do segredo. “Nosso grupo de apoio é mais do que um recurso; é um verdadeiro salva-vidas. Ao abraçar o Ubuntu, lembramos aos participantes que a cura acontece na comunidade”, afirma Sibongile Simelane-Quntana, diretora-executiva da SARGF, segundo declarou ao portal IOL. “A coragem de dizer ‘eu preciso de ajuda’ é imediatamente acolhida pelo apoio de pessoas que realmente entendem.”

O papel essencial do grupo de apoio online

O sucesso do programa está diretamente ligado à sua acessibilidade. Os participantes mantêm contato constante pelo WhatsApp, 24 horas por dia, 7 dias por semana, possibilitando uma troca contínua de mensagens e apoio entre pares. Além disso, sessões semanais organizadas via Microsoft Teams oferecem discussões estruturadas, estratégias de enfrentamento e momentos para compartilhar experiências. Esses espaços seguros e livres de julgamentos permitem que os participantes expressem seus medos, celebrem suas conquistas e se mantenham mutuamente responsáveis.

Além do suporte emocional, o programa está alinhado com a legislação nacional sul-africana, em especial com a . Ele promove a autoexclusão voluntária e a exclusão por terceiros, impedindo que pessoas vulneráveis acessem sites de apostas. Somente no exercício financeiro de 2024/2025, mais de 4.000 encaminhamentos foram processados, dos quais 902 resultaram em autoexclusão. A garantia do anonimato permanece como pilar fundamental, reduzindo o estigma e encorajando até mesmo os mais relutantes a buscar ajuda.

Primeiros resultados e impacto

Os efeitos positivos já são concretos. Muitos participantes relatam estar livres do jogo há seis meses ou mais, focando em reconstruir relacionamentos e reorganizar suas finanças. O senso de responsabilidade coletiva e o apoio entre pares têm se mostrado mais eficazes do que o aconselhamento individual, especialmente entre os jovens adultos, que são os mais afetados pela busca incessante por recuperar perdas e pela falta de controle.

Lições aprendidas com a experiência internacional

A estratégia sul-africana também se apoia em aprendizados internacionais. No Reino Unido, por exemplo, muitos jogadores enxergam as ações de apoio promovidas pelas operadoras como meras estratégias de marketing, sem efetiva utilidade. Ao priorizar a construção de uma comunidade e o apoio mútuo, a SARGF consegue superar o cinismo que, em outras partes do mundo, compromete a eficácia dos programas de autoexclusão. Fortalecer a confiança em medidas que promovam o jogo responsável é indispensável para que mais de dois terços das pessoas em situação de risco possam, de fato, acessar ajuda.

Em direção ao jogo responsável

Os números indicam que não basta regulamentar; é preciso ir além, com empatia, transparência e ferramentas que realmente funcionem. As mensagens de promoção do jogo responsável devem estar integralmente incorporadas à experiência do jogador, com orientações claras e objetivas. Programas de autoexclusão precisam ser de fácil localização, simples de usar e oferecer a garantia de que pedir ajuda não será motivo de estigma. As campanhas educativas devem ir além de slogans, apresentando exemplos realistas, ferramentas de planejamento financeiro e histórias de superação que dialoguem com a vida real dos sul-africanos.

Potencial industrial da África e responsabilidade compartilhada

À medida que os mercados de jogos se abrem no continente africano, as apostas ganham dimensão transnacional. A rápida expansão da conectividade digital e a predominância de populações que acessam a internet principalmente pelo celular oferecem oportunidades significativas de crescimento. Contudo, sem responsabilidade, esse potencial pode gerar ainda mais danos sociais e econômicos. Líderes do setor, reguladores e a sociedade civil precisam trabalhar juntos para adotar uma abordagem equilibrada — que permita a inovação nas apostas esportivas e nos jogos online, mas que, ao mesmo tempo, priorize a proteção do consumidor e o fortalecimento das redes de apoio.

Os números são alarmantes, mas também apontam para uma solução. Jogadores sul-africanos têm arriscado recursos essenciais, perdido o autocontrole e raramente buscado ajuda. Com seu grupo de apoio online inspirado no Ubuntu, a SARGF demonstrou que a recuperação baseada na comunidade pode romper o ciclo de vergonha e isolamento. Somente ao normalizar o suporte, eliminar o estigma e desenvolver ferramentas que as pessoas realmente confiem, será possível atender a esse chamado e evitar uma crise ainda maior — tanto na África do Sul quanto no promissor cenário de jogos que se desenha em todo o continente africano.

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