"A gente mandava CDs pelo correio": Miles Saacks relembra os tempos pioneiros dos jogos online

Garance Limouzy
Escrito por Garance Limouzy

Antes de os cassinos online serem realmente “online”, antes de os programas de afiliados se tornarem divisões estruturadas e antes de a regulamentação moldar o setor como o conhecemos hoje, havia um jovem sul-africano chamado Miles Saacks, que enviava CDs pelo correio para desconhecidos ao redor do mundo, na esperança de que eles instalassem um cassino no computador.

Hoje atuando em Malta como gerente sênior de afiliados, Miles conversou com a SiGMA News para relembrar sua trajetória pelos primeiros caóticos anos do iGaming – como uma mistura de nostalgia e sinceridade. “Estou na indústria há cerca de 23 anos”, conta. “Foi meu segundo ou terceiro emprego depois da universidade, e nunca mais saí disso.”

Quando os cassinos online ainda não eram totalmente online

No início dos anos 2000, apostar pela internet não era tão simples quanto acessar um site. “Era online, mas você precisava baixar o software no computador primeiro”, lembra Miles. “Não existia uma versão que rodasse direto no navegador — era preciso instalar o cassino a partir de um CD.”

Todo o cassino — caça-níqueis, jogos de mesa e tudo o mais que a Microgaming oferecia — vinha num único programa de instalação. “A gente mandava cartas com o CD dentro, dizendo ‘Instale o cassino hoje mesmo!’ Aquilo era nosso marketing. Não existia jogo via navegador como agora.”

Ele ri ao descrever a cena: “Parece coisa da idade da pedra, mas era assim mesmo. Enviamos centenas de milhares de CDs para o mundo todo. Não era glamouroso, mas funcionava.”

África do Sul como impulsionador de marketing

Naquela época, Miles trabalhava da África do Sul — não como parte de uma operadora licenciada, mas numa empresa de marketing que dava suporte a marcas de cassino estrangeiras. “A gente não era oficialmente um cassino. Era mais uma extensão de marketing”, explica. “A empresa licenciada ficava no exterior. Nosso trabalho era encontrar os jogadores.”

Isso significava, muitas vezes, atuar numa zona cinzenta. “Teve uma época em que, na África do Sul, era melhor não comentar que você trabalhava com cassino”, admite. “Não era regulamentado, nem exatamente ilegal — mas definitivamente não era algo convencional.”

Apesar da incerteza legal, o marketing era ousado. “Recebíamos listas físicas de afiliados”, conta Miles. “Às vezes eram apostadores, outras vezes era ‘a lista das 20 pessoas mais ricas do mundo’ — a gente não sabia. Mesmo assim, enviávamos os CDs. Às vezes dava certo.”

Atendimento ao cliente na linha de frente

Miles começou na linha de frente do suporte ao cliente, atendendo ligações de jogadores confusos ou frustrados. “A gente explicava como funcionava o gerador de números aleatórios”, conta. “As pessoas gritavam: ‘Isso é manipulado!’ e a gente precisava acalmá-las.”

E se você ligasse, não falaria com o Miles — e sim com “Michael King”. “Todos usávamos nomes falsos naquela época”, ele relembra. “Não era por malícia. Era para manter um perfil discreto.”

Essa experiência no suporte foi a base de tudo que veio depois. “Fiz de tudo um pouco — fraude, marketing, atendimento. Eventualmente, entrei na área de afiliados, e é onde estou até hoje, há 20 anos.”

A mudança para Malta

Um ponto de virada aconteceu quando Miles recebeu uma proposta de emprego durante uma conferência de jogos. “Perguntaram: ‘Quer trabalhar em Malta?’ Eu nem sabia onde ficava Malta”, ele ri. “Seis meses depois, já estava morando lá.”

Desde então, ocupou cargos de liderança — chefe de afiliados, chefe de departamento — mas recentemente decidiu desacelerar. “Depois de um AVC e três ataques cardíacos, precisei colocar a saúde e a família em primeiro lugar”, diz. “O estresse de ter um cargo sênior já não compensava.” Ainda assim, ele admite que pode voltar à ativa um dia.

Antes e agora: duas indústrias completamente diferentes

Ao comparar o passado com o presente do setor, Miles é direto. “No começo, o objetivo era só trazer jogadores e fazer com que depositassem. Ninguém pedia documento nem comprovante de renda”, diz. “Hoje é tudo sobre regulamentação, conformidade, KYC. É outro mundo.”

Até o marketing mudou radicalmente. “Hoje em dia, a pessoa digita um tema no ChatGPT e publica o resultado no LinkedIn”, comenta com certa frustração. “Naquela época, você precisava saber o que estava dizendo.”

Para Miles, a honestidade sempre foi essencial. “Nunca prometo o que não posso entregar”, afirma. “Se vai demorar três semanas para criar um banner, eu aviso logo. As pessoas valorizam isso. É assim que se constrói confiança no setor.”

O impacto mental

Mas o preço cobrado é alto. “É um setor movido a dinheiro”, reconhece Miles. “Quando o sistema bancário falha ou algo quebra às três da manhã, é você que recebe a ligação. Isso teve um peso enorme nos meus problemas de saúde.”

Hoje, ele trabalha de casa em uma empresa que preza pelo equilíbrio. “Confiam que eu vou fazer meu trabalho — e eu faço. Mas agora faço pilates duas vezes por semana. Estou cuidando de mim.” Ele também encontrou novos interesses: começou a escrever — lançou recentemente o livro Life in the Doghouse — e participa de ações beneficentes.

Mas não deixa de criticar como algumas empresas tratam o bem-estar dos colaboradores. “Te dão uma mesa de pingue-pongue e fazem festinhas, mas ninguém pergunta sobre sua saúde mental até você ser internado.”

Um legado no iGaming construído com persistência

Miles não está apenas contando sua carreira — ele está compartilhando parte da história do iGaming. “Era o velho oeste. A gente competia de andares diferentes no mesmo prédio. Mas fazíamos acontecer.”

E apesar do estresse, dos sustos com a saúde e das transformações do setor, Miles ainda sente o chamado da indústria. “Já tentei sair algumas vezes”, confessa, “mas sempre acabo voltando. É empolgante. É imprevisível. É viciante.”

Ele sorri e conclui: “Sou muito sortudo por ainda estar aqui para contar essa história.”

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