Depoimento de Rico Melquiades na CPI das Apostas 

Júlia Moura
Escrito por Júlia Moura

O influenciador digital Rico Melquiades prestou depoimento à CPI das Apostas em 14 de maio de 2025, ontem, como convocado na investigação sobre a promoção de jogos online. Conforme resumo oficial do Senado, Rico negou ter cometido irregularidades e declarou ter atuado apenas como garoto-propaganda legal: “sempre fiz as coisas dentro da lei”. Ele disse que seu contrato era de cachê fixo (sem “cláusula da desgraça”) e que nunca ganhou com base nas perdas dos seguidores. Melquiades repetiu várias vezes que usava contas reais fornecidas pelas empresas: “Eu sei o que é conta demo, mas nunca utilizei”, explicando que sempre usou login próprio e depositava seu próprio dinheiro nas apostas. Em seguida, ele enfatizou que sempre alerta sobre riscos: “não obrigo ninguém a jogar… sempre digo que é um jogo”, e que “nunca prometi carro, mansão ou vida de luxo” aos seguidores. 

No início do depoimento, Melquiades afirmou que responderia tudo que não o incriminasse, pois conseguiu liminar do STF garantindo-lhe o direito de ficar em silêncio sobre temas ligados à operação Game Over 2. Ele confirmou que esse acordo judicial de não persecução penal o obrigou a pagar R$1 milhão de multa, mas negou que sua forma de divulgar apostas tenha mudado após isso. Ao destacar sua fonte de renda, lembrou que “Meu dinheiro não é só de bets. Antes disso, participei de um reality show – o A Fazenda 13 – em que ganhei R$1,5 milhão”. Essa explicação referiu-se ao bloqueio de R$5,7 milhões de seus bens pela Polícia Civil de Alagoas: segundo ele, o valor bloqueado provinha principalmente de prêmios e campanhas publicitárias anteriores, e foi liberado após pagamento da multa (sob concordância judicial). 

Perguntas polêmicas e respostas de Rico 

Durante a sessão, parlamentares fizeram perguntas diretas a Rico. O relator Izalci Lucas chegou a mencionar a confissão formal de Rico em investigação policial, mas o influenciador exerceu seu direito: “Eu me reservo no direito de ficar calado”. Na sequência, ele argumentou que “Se eu divulgo [uma aposta] hoje, é porque o Congresso aprovou”, sugerindo que sua divulgação seguia uma brecha legal recém-regulamentada. Izalci também questionou o bloqueio de R$5,7 mi, e Rico explicou que o montante bloqueado era fruto de seus ganhos no reality e em contratos publicitários – “Meu dinheiro não é só de bets. Antes disso… ganhei R$ 1,5 milhão”. Outro ponto muito comentado foi a demonstração ao vivo de um jogo. A senadora Soraya Thronicke solicitou que ele operasse seu aplicativo de apostas em tempo real; após ganhar R$120 no “Jogo do Tigrinho”, Rico disse que estava “nervoso” e se recusou a continuar jogando. Ele justificou: “Gente, eu fiz o ganho e não quero mais jogar”, para não parecer que induzia alguém a apostar. Em seguida, Soraya pediu para ele sacar o valor ganho — ele inicialmente hesitou, mas acabou acessando sua conta e efetivando o saque, mostrando na prática que todos os procedimentos eram reais. 

Os senadores também abordaram técnicas de divulgação. Foi perguntado se ele usava contas “demo” fornecidas pelas casas de apostas (nas quais o influenciador não perde de fato). Rico respondeu que, desde janeiro de 2025 (após a regulamentação), sempre cria seu próprio perfil cadastrado com CPF, depositando dinheiro pessoal para cada aposta. E negou com veemência usar quaisquer “truques” publicitários: “não tenho conhecimento de outros artifícios como contas de demonstração… eu que boto dinheiro na conta”. Ele manteve, porém, o silêncio sobre detalhes de contratos financeiros específicos (como valores recebidos e cláusulas internas), repetindo o argumento de não se incriminar. 

Comparações com Virgínia Fonseca 

Ao longo do depoimento, Rico Melquiades falou muito sobre a audiência da influenciadora Virgínia Fonseca, realizada no dia anterior. Ele reclamou de um tratamento desigual: “Desde a hora que eu cheguei… estou sentindo um tratamento muito diferente. Ontem era risada, era selfie… e comigo o tratamento está sendo outro”. Em sua visão, Virginia foi recebida com descontração (inclusive tirou foto com um senador), enquanto ele foi pressionado. A relatora Soraya Thronicke concordou que a sessão anterior teve clima mais ameno, mas rebateu que “somos todos maiores de idade aqui” e que no dia seguinte “não vieram” certas pessoas influentes. Ela lamentou o tom juvenil que percebeu em Virgínia (“ela estava com um apelo bastante jovial, muito adolescente” e que “o advogado dela a deixou muito à vontade”) e disse que isso não era adequado num tema sério. Ainda nessa discussão, Soraya até brincou que passaria a seguir Rico no Instagram também. 

Repercussão nas redes sociais 

O depoimento viralizou instantaneamente nas redes sociais. A CNN notou que Rico aparentava “estar nervoso e incomodado” durante a sessão. O Globo destacou que ele ganhou R$120 e, visivelmente tenso, declarou estar “nervoso” com o resultado. Vídeos desses trechos foram compartilhados no TikTok, Instagram e Twitter, o que, consequentemente, resultou em diversos memes. Nas redes sociais, as pessoas ironizaram seu nervosismo e o episódio de recusar jogar mais: “já fiz o ganho e não quero mais jogar” virou bordão em montagens. Na sequência, hashtags como #RicoNaCPI e #CPIdasBets chegaram aos trending topics. Ao mesmo tempo, surgiram defesas ao influenciador, dizendo que ele tentava apenas explicar seu lado. 

Seriedade versus teatralidade 

A cena geral do depoimento dividiu opiniões sobre sua seriedade. Por um lado, senadores enfatizaram que o vício em apostas acarreta graves consequências: “temos recebido um número muito significativo de relatos de pessoas que estão viciadas… pessoas que ceifaram suas vidas” devido ao jogo online. A senadora Damares Alves chegou a comparar as apostas ao cigarro e defendeu “fechar a torneira” das propagandas de influenciadores. Por outro lado, internautas e colunistas notaram o clima por vezes de espetáculo. A postura tensa de Rico e suas frases de efeito foram interpretadas como uma encenação ou mero show pessoal. Críticos lembraram que, em reality shows como A Fazenda, ele aprendeu a desempenhar papéis dramáticos.  

Consequências práticas 

Na esfera jurídica, o depoimento em si não trouxe mudança imediata. Rico Melquiades continua sob investigação pela Operação Game Over 2, mas já firmou acordo de não persecução penal em Alagoas, no qual confessou irregularidades e pagou R$1 milhão em multa. Na CPI, ele repetiu que esse acordo não modificou sua atuação. O bloqueio dos R$5,7 mi em contas foi revertido após a quitação da multa, sem novas restrições. 

Quanto à imagem e aos contratos, os efeitos são sobretudo de curto prazo. A repercussão negativa expôs fragilidades de sua reputação, mas ainda não há relatos de patrocínios cancelados. Pelo contrário, ficou claro que mantém acordos publicitários com casas de apostas. Em plenário revelou ter firmado contrato de exclusividade com a plataforma ZeroumBet — cerca de 15 posts mensais por valor fixo, sem variáveis nem metas de lucro para ele. Ele reafirmou não ganhar extra pelas perdas dos seguidores.  

Andamento da CPI das Apostas 

Instalada em novembro de 2024 com prazo inicial até abril (atualizado para junho de 2025), a CPI das Bets tem investigado o impacto das apostas online nas famílias brasileiras e sua relação com o crime organizado. O depoimento de Rico Melquiades foi o segundo desta semana, depois da audiência de Virgínia Fonseca em 13/5. A senadora Soraya Thronicke já anunciou que pretende ouvir outros influenciadores e empresários, e até pedirá depoimento de figuras do esporte: mencionou o presidente da CBF, Edinaldo Rodrigues, e nomes como o cantor Gusttavo Lima e o jogador Fernandinho. Na sessão seguinte, o senador Kajuru revelou que Gusttavo Lima teria telefonado a um membro da CPI pedindo para ser dispensado.